Crise financeira, criptomoedas e shadow banking, qual a relação?
O ano era 2008. Grandes e tradicionais bancos dos Estados Unidos, como o Lehman Brothers, o Goldman Sachs e o Morgan Stanley, entravam em falência, eram comprados ou pediam auxílio por meio de crédito emergencial ao Federal Reserve, Banco Central dos EUA. Nessa época acontecia uma das maiores crises financeiras do mundo, ocasionada principalmente por uma bolha imobiliária e um sistema financeiro com pouca ou nenhuma regulamentação.
Estamos falando de shadow banking
Em tradução livre, o termo significa “sistema bancário de sombra” e consiste em instituições financeiras paralelas aos bancos tradicionais, que agem de maneira informal evitando a regulamentação do governo. Fundos de investimentos, companhias de securitização, factorings, corretoras de valores e companhias financeiras são exemplos de empresas não regularizadas que oferecem financiamentos e empréstimos de forma indireta e com maior risco ao cliente, operando de forma alavancada e, muitas vezes, sem reservas de capital suficientes para servir de garantia.
Dois lados de uma mesma moeda
De certa forma, a não regulamentação governamental em operações bancárias se mostra muito eficiente, alavancando e facilitando os negócios sem a burocracia que normalmente é envolvida nas transações convencionais. No entanto, isso oferece perigo ao mercado financeiro, sendo a crise de 2008 um exemplo emblemático da falta de fiscalização em instituições sombra.
Contexto histórico
Com as baixas taxas de juros nos Estados Unidos de 1990 a 2000, muitas empresas de construção civil conseguiram realizar financiamentos acessíveis, dando início a uma larga expansão do mercado imobiliário. Consequentemente, e ainda por conta do nível reduzido dos juros, os investimentos em renda fixa deixaram de ser atrativos, movendo investidores a outras aplicações, em particular a especulação imobiliária: compra de imóveis em crescente valorização para futura revenda e obtenção de lucros.
Todo esse cenário fez com que as hipotecas se tornassem operações comuns na época, afinal, a população conseguia empréstimos a juros acessíveis e dava como garantia seus imóveis, que os bancos poderiam tomar, caso a dívida não fosse paga, e vender com certa rentabilidade.
Essa lucratividade das hipotecas fez surgir shadow banks como corretoras e securitizadoras que, em meados de 2007, já eram tão grandes quanto o sistema bancário tradicional. Essas instituições paralelas passaram, então, a comprar derivativos de hipotecas dos bancos, gerando lucros aos operadores financeiros tradicionais e tornando-se credores de dívidas hipotecárias, com a possibilidade de apreender imóveis de quem não conseguisse saldar as dívidas.
O problema?
Enquanto todos lucravam, as operações eram feitas em larga escala, inclusive com financiamentos imobiliários de alto risco para clientes de menor renda, chamados de hipotecas subprime. A falta de regulamentação das operações variantes de hipotecas somou-se à terceirização dos riscos: bancos tradicionais acreditavam que futuros problemas recairiam aos shadow banks que, por sua vez, não tinham exigência legal que as obrigassem a ter reservas de capital ou acesso a empréstimos dos bancos centrais.
O aumento dos juros das hipotecas, a elevada inadimplência dos credores, a vulnerabilidade das instituições paralelas e os bancos tomando imóveis desvalorizados colapsaram o sistema financeiro.
Moral da história:
Após a crise, várias medidas foram aprovadas ao redor do mundo para regulamentar e limitar o funcionamento dos shadow banks, sem impor, no entanto, as mesmas exigências que os bancos tradicionais possuem.
Ocorre que, como muitas instituições paralelas são voltadas para a tecnologia e a inovação, cumprir todos os requisitos legais inviabilizaria vários negócios. Embora a falta de normatização tenha sido um dos estopins para a crise financeira, as operações não regularizadas e desburocratizadas aumentam a liquidez do sistema financeiro, o consumo e os investimentos, motivo pelo qual shadows banks continuam crescendo.
E agora?
A falha do governo em fiscalizar o mercado financeiro é um dos principais motivos da adoção do Bitcoin por tantas pessoas. Apesar de a moeda virtual ser descentralizada, ou seja, não precisar da intermediação de bancos ou do controle de governos, sua tecnologia blockchain registra operações em blocos criptografados que não podem ser alterados, tornando-a segura.
Infelizmente, o debate sobre shadows banks ainda está longe de um consenso. Há quem diga que existem características de sistemas bancários paralelos, como alavancagem excessiva, falta de visibilidade e operação à margem da fiscalização, nas DeFis, as finanças descentralizadas como o Bitcoin. Muitos países já vêm buscando regularizar as criptomoedas, a fim de melhorar o cenário financeiro e evitar crises. No entanto, é importante lembrar que, independentemente da instituição, riscos sempre vão existir.